quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Se dar bem ou fazer o bem?

Samantha Buglione
Segundo estimativa da OAB, se não houvesse prova da Ordem (que é a prova necessária para o bacharel em direito poder advogar), o Brasil teria mais advogados que todo o resto do planeta junto.

Isso diz muito sobre nós. Principalmente porque no Brasil as violações de direito não são mais em função da ausência de leis, como a discriminação entre os sexos, mas sim, de descumprimento de deveres. É a empresa que tem a obrigação de fazer determinada coisa, mas, deliberadamente, não o faz.

É o médico que deveria atender determinado caso, mas por crenças pessoais afirma objeção de consciência e a pessoa fica sem atendimento. É o poder público que privilegia amigos e compadres e, por isso, viola suas obrigações. O Brasil tem ótimas referências normativas, nosso texto constitucional é belíssimo, o problema é a nossa postura. Deveríamos ser o paraíso da garantia de direito considerando o número de bacharéis em direito, advogados e funcionários públicos.

Mas não. Somos uma república democrática viciada no “se dar bem”. A cada dia dou menos aulas na graduação em direito por uma razão muito pessoal: tristeza. Um campo de saber que congrega filosofia e sociologia deveria, ao menos, provocar as pessoas e convencê-las que liberdade tem relação com responsabilidade e dever.

Mas a cada dia aumenta o número de alunos que vão estudar direito para saber como burlar as coisas e “se dar bem”: seja visando a vida de funcionário público, estável e com bom salário, seja descobrindo (ou criando) os caminhos da vida fácil.

As inúmeras críticas ao Poder Judiciário, principalmente por sua morosidade, ignoram um fato fundamental: muitas demandas não deveriam estar lá porque são demandas de pessoas (físicas ou jurídicas) que tinham uma obrigação, mas se negam a cumpri-la. Aí, vão para o Poder Judiciário. Não para buscar seus direitos, mas para legitimar a irresponsabilidade. Uma ação judicial, para quem tem fôlego, é um bom negócio.

Vale mais violar o meio ambiente e discutir na Justiça do que fazer o que se deve. As multas ambientais, por exemplo, por conta do texto legal, quase nunca chegam aos pés dos benefícios que o violador tem, principalmente o grande violador. Aí, enchemos a cidade de espigões, aterramos rios e mangues, fazemos helipontos no meio de um bairro residencial, destruímos a mata atlântica e nos damos bem.

Em outras palavras, violar a lei é um bom negócio. Já a opção por uma postura ética e de fazer o bem nos tira da zona de conforto ou mordomia. O incrível é que, para além do texto legal, todas as religiões pregam a caridade, o respeito ao próximo e a alteridade.

O Brasil se vangloria de ser um País religioso, mas, na prática, coleciona não só descumprimento à lei jurídica como também às leis morais eleitas por cada um no seu credo de fé. Tempos atrás, o homem belo era o homem ético e as pessoas desejavam fincar seu nome na história por meio de belos feitos.

Antigos personagens da história brasileira doaram terras para a construção de parques ou terrenos para se fazer museus. Até hoje são lembrados por serem pessoas que fizeram algo em prol dos outros e da cidade. Hoje, a nossa “nobreza” se contenta em ocupar capas de revistas de fofocas ou colunas de jornais.

Sempre que alguém visa só o “se dar bem”, nos moldes viciados de boa parte do nosso comportamento de hoje, está, imediatamente, rompendo com as possibilidades de fazer o bem. A lógica deveria ser outra, a de fazer o bem e se dar bem por isso. Mas fazer o bem parece palavrão, principalmente quando entendemos que fazer o bem é fazer a ação que beneficie o outro, mesmo que isso não nos traga benefício ou que dê trabalho.

O bem é o bem do sujeito que recebe a ação e não o bem do seu autor. Por isso, impor moralidades não leva, necessariamente, ao bem do outro. Poderíamos fazer tanto, transformar o mundo, mas optamos por sentar na soleira da porta ou na poltrona da TV e assistir ao caos da nossa omissão.

A dica para mudar as coisas más já foi vastamente dada, tanto pelo mundo judaico cristão quanto pelas sábias palavras do Oriente: “ame o próximo como a si mesmo”, “seja a mudança que você quer no mundo”. Sabemos o que fazer, mas, pelo visto, preferimos colecionar vantagens.

Edição: Prof. Christian Messias | Fonte: A Notícia, 20/10/2009 - Joinville SC

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