domingo, 26 de abril de 2009

Maierovitch: O objetivo é afastar Barbosa do TSE

Atualizado em 26 de abril de 2009 às 18:52 Publicado em 26 de abril de 2009 às 18:50
Mendes x Barbosa: desencontro longe do fim. Especulações sobre o comando das eleições em 2010
por Wálter Maierovitch O ministro Mendes continua a entender que o seu par Barbosa não julga a lide, a controvérsia, existente nos autos processuais.
Na sua visão, o ministro Barbosa julga conforme o interesse de um estamento social, para o qual se inclina e protege.
Bastou essa infeliz colação do ministro Mendes para se iniciar uma grande especulação sobre a futura presidência do ministro Barbosa, à frente do Tribunal Superior Eleitoral, na condução das eleições de 2010.
Para o ministro Barbosa, –com todo o acerto–, o presidente do Supremo Tribunal Federal, não é o juiz dos juízes. Não tem poder para censurar qualquer dos seus pares.
Em síntese, o ministro Barbosa julga conforme a sua consciência e o solene compromisso, –quando da sua investidura no cargo–, de seguir a Constituição e as leis.
Nenhum dos dois ministros, –que protagonizaram o lamentável episódio de grande repercussão e que em “post” chamamos de “Barraco Supremo”–, recua um único passo no sentido de admitir erros e excessos. Sobre isso, deixa claro matéria de hoje do jornal Folha de S.Paulo.
A respeito da repercussão do “Supremo Barraco”, ela continua por todos os cantos do país.
Até no You Tube apareceu o “Créu do Barbosão”. Por meio do deboche, ficou claro a conseqüência do transbordamento da sessão do Supremo Tribunal Federal (STF).
A provocação, com ato de censura, foi iniciada pelo ministro Gilmar Mendes. Até então, havia divergência, ainda que acirrada.
O ministro Mendes não se convence quanto a não poder tecer considerações públicas (em sessões de julgamento) de natureza censória. E é do seu hábito se exceder, inclusive na presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Mendes não tem poder de censura sobre o convencimento de um seu par. Não lhe é permitido formular juízo sobre outro ministro fora da discussão jurídica em questão, isto para não cair no ataque pessoal. Em outras palavras, Gilmar não pode se posicionar,– como fazia o inquisidor Torquemada–, nos ataques ao pensamento alheio e divergente do seu.
Vários dos pares do ministro Mendes no CNJ o consideram prepotente, “dono da verdade” e incapaz de ouvir e refletir sobre posicionamentos contrários aos que sustenta. Como desabafou um conselheiro do CNJ e os jornais ecoaram, o ministro Gilmar nem presta atenção sobre discussões, divergências.
O ministro Barbosa, –no episódio inédito ao qual chamamos em “post” anterior de “Barraco Supremo”–, foi provocado e usou daquilo que em Direito se chama de retorsão imediata.
Só que o ministro Barbosa cometeu, na retorsão, excesso de linguagem, ainda que tenha dito verdades. Ou seja, o ministro Mendes destrói a imagem da Justiça, pois prejulga, fala fora dos autos e se intromete em questões políticas, que não estão na sua alçada: disse até que chamaria o presidente Lula às falas. Fora a exigência de afastamento do delegado Paulo Lacerda, por um “grampo telefônico” até agora sem prova da materialidade: pura invenção, até o momento.
Nos tribunais, o julgamento é colegiado. Prevalece no julgamento a decisão da maioria, conforme regra básica num Estado democrático de direito.
As divergências jurídicas e factuais, debatidas num julgamento, são balizadas pela controvérsia (lide) presente nos autos.
Divergências e considerações fora do tema em debate nos autos processuais implicam em reprovação pessoal, censura própria de mentes autoritárias e que desrespeitam a Justiça.
PANO RÁPIDO. Pelo andar da carruagem, dias piores virão. Já que “tapas e barracos” não representam forma civilizada de solução de contendas, em breve, –e se o ministro Mendes insistir em censurar e continuar com ataques pessoais–, a solução virá num processo (forma civilizada) por danos morais. Felizmente, o ministro Barbosa não é de “afinar” aos poderosos.
Sobre eleições de 2010, a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e mantida a regra de escolha que recai na rotatividade estará afeta ao ministro Barbosa. Só que já começou um guerra surda para mudar a regra e saltar Barbosa. Sintomático, no particular, o apoio do partido Democrata (DEM) a Gilmar Mendes, no episódio do “Barraco Supremo”.
Já se começa a espalhar que Barbosa inclina-se para o lado dos petistas. Ou seja, um ataque infundado à sua isenção. E a meta é inviabilizar a sua escolha à presidência do TSE. Como se percebe, a elite não gosta de independentes como Barbosa, mas de engajados. Wálter Fanganiello Maierovitchhttp://maierovitch.blog.terra.com.br/

sábado, 25 de abril de 2009

A Folha vai dar a outros candidatos o tratamento que dispensa à Dilma ?

A Folha (*) publicou hoje na primeira página uma notícia errada, em off, sobre o câncer da ministra Dilma Rousseff. Errada, porque não disse que era câncer.
Isso não é notícia que se dê em off.
Dar a entender que alguém tem câncer sem que a informação seja do doente, do medido ou do hospital.
Faz parte do jornalismo de quinta categoria que a Folha pratica. Muito parecido com a forma com que os adversários políticos vazaram para a imprensa que o candidato à presidência da República Mário Covas estava com câncer.
Segundo o que dizem os médicos de um hospital que deixa vazar uma informação dessa gravidade, a candidata do presidente Lula a presidência da República tem, hoje, depois de totalmente extirpado o câncer, tanta chance de ter outro câncer quanto qualquer pessoa.
A edição de hoje da Folha deve ser conservada em formol, porque se trata de uma antologia do jornalismo em decomposição que se pratica nesta subdemocracia.
Dois ou três domingos atrás a Folha praticou a fraude de sustentar, com apoio de uma ficha policial falsa, que um inexistente seqüestro de Delfim Netto poderia ser imputado às maquinações diabólicas da terrorista Dilma Rousseff. Isso foi num domingo, dia em que a tiragem da Folha é maior. Hoje, numa página par, menos lida, num dia de sábado, a Folha confessa que a “reportagem” era uma fraude: a ficha é falsa e não veio do DOPS, mas por e-mail de um leitor.
Quer dizer, o controle de qualidade da Folha vale tanto quanto o de um botequim de beira da estrada.
A Folha, se fosse séria, deveria perguntar a Zé Pedágio, membro da Ação Popular, se participou do atentado a bomba ao aeroporto Guararapes, em Recife, praticado pela AP.
Se fosse séria, a Folha deveria perguntar se Aloysio Nunes Ferreira, candidato a governador de José Serra, assaltava ou ainda assalta bancos. Se fosse séria, a Folha passaria a dispensar o mesmo tratamento leviano sobre as doenças graves dos outros candidatos a presidente, se é que existem.
E poderia valer-se do sistema de preservação de confidencialidade que caracterizou o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Paulo Henrique Amorim
Em tempo: dirão os tucanos de plantão que a Folha cumpriu o dever cívico de divulgar uma informação que Dilma Rousseff provavelmente omitiria. Que é o mesmo que acreditar que numa situação comparável José Serra também cometesse o pecado da omissão. Os brasileiros e especialmente os eleitores paulistas não têm o direito de fazer essa suposição em um e no outro caso.
Em tempo 2: quando “noticiou” a ligação entre Dilma e o “seqüestro” de Delfim, a Folha honrou a fraude com o alto da primeira página do domingo. A confissão da fraude não pereceu a primeira página da edição de sábado.
(*) Já estava na hora de a Folha tirar os cães de guarda do armário e confessar que foi “Cão de Guarda” do regime militar. Instigado pelo Azenha – clique aqui para ir ao Viomundo – acabei de ler o excelente livro “Cães de Guarda – jornalistas e censores do AI-5 à Constituição de 1989”, de Beatriz Kushnir, Boitempo Editorial, que trata das relações especiais da Folha (e a Folha da Tarde) com a repressão dos anos militares. Octavio Frias Filho, publisher da Folha (da Tarde), não quis dar entrevista a Kushnir.

Retirado de :http://www2.paulohenriqueamorim.com.br/?p=9628

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Degradação no Judiciário

DALMO DE ABREU DALLARI

Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.

Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.

Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.

Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.

Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente -pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga-, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.

É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades e corrupção.

É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em "inventar" soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, "inventaram" uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.

Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais.

Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um "manicômio judiciário".

Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo publicado no "Informe", veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo, significativamente intitulado "Manicômio Judiciário" e assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que "não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo".

E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na "indústria de liminares".

A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um problema ético. Revelou a revista "Época" (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público -do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários- para que seus subordinados lá fizessem cursos. Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na "reputação ilibada", exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.

A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou "ação entre amigos". É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.

Dalmo de Abreu Dallari, 70, advogado, é professor da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário de Negócios do município de São Paulo (administração Luiza Erundina).

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/memoria-dallari-detona-gilmar/ --Postado por Observações do Cotidiano no Observações do Cotidiano em 4/23/2009 11:54:00 P

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Um sistema penal global é possível?

Em fevereiro, um escândalo envolvendo sonegação fiscal causou mal estar nas relações entre Alemanha e Suíça. Bancos alemães estariam usando instituições financeiras do pequeno principado de Liechtenstein para repassar aplicações de milionários a bancos suíços. A manobra visava usufruir o inexpugnável sigilo bancário suíço, livrando assim alguns alemães do fisco de seu país. Esse episódio mostra apenas uma dentre milhares de arestas a serem aparadas para que o processo de globalização não passe por cima das legislações de cada nação. Afinal, como punir ações idênticas se cada país as enxerga de modo diferente? Ao contrário da Alemanha, por exemplo, sonegação fiscal não é crime na Suíça, apenas uma contravenção sujeita à multa. Embora a Suíça não faça parte da União Européia, é notório que episódios assim aconteçam até no continente que mais avançou nas unificações supranacionais, a Europa. Que unificação penal, então, podemos esperar do restante do planeta?A resposta pode passar pelo maior incentivador dos acordos e tratados internacionais, o dinheiro e, não por acaso, também o pivô da crise citada acima. “Para participar de um mercado mundial, os países têm que estabelecer regras comuns entre si. Por isso, é natural que o direito comercial acabe auxiliando nesse consenso”, pontua Alberto do Amaral Júnior, da área de direito internacional da Faculdade de Direito da USP. As regras que regulamentam as transações comerciais mundiais acabam contendo também as penalidades para quem as infringe. Ao lado das leis comerciais, os crimes contra a humanidade, o combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo são as áreas que mais têm encontrado pontos de convergência entre os países para a construção de um sistema penal global, segundo os especialistas.Porém, antes de estabelecer punições semelhantes, os países teriam de reconhecer como crimes os mesmos atos, o que poderia mexer em questões culturais de cada lugar. “As leis refletem os valores dominantes em cada sociedade”, explica Amaral, “são esses valores que determinam quais serão as condutas consideradas indesejáveis, o seu grau de gravidade e as respectivas punições para cada uma”. Por isso, o especialista considera que um tribunal penal único só seria possível se houvesse um Estado mundial federalizado o que, segundo acredita, é pouco provável. Atualmente, a instância que mais se assemelha a uma corte criminal suprema do planeta é o Tribunal Penal Internacional (TPI), criado em 1998 com o Estatuto de Roma e que hoje conta com o reconhecimento de 105 países, entre eles o Brasil.O TPI é a primeira instituição penal e global permanente da história. Antes dele, crimes de grande repercussão eram julgados por tribunais especiais provisórios, cujo mais famoso é o de Nuremberg que julgou nazistas após a Segunda Guerra Mundial. O TPI representa um avanço no consenso penal entre a maioria das nações porque dá um código único para todos os países signatários, conforme explica Salo de Carvalho, especialista em Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul: “A interpretação de qualquer texto gera conflitos, mas os problemas aumentam quando se trabalha com textos distintos e autônomos, de legislações de diferentes países. Exatamente por isso o Estatuto de Roma cria legislação penal e processual própria, harmonizando distintos sistemas”.Embora o TPI seja um passo importante na unificação do sistema penal mundial, a sua alçada é bem restrita, pois só julga crimes de guerra, genocídios e crimes contra a humanidade. Outro fator relevante é que, ao contrário da Corte Internacional de Justiça (CIJ) da Organização das Nações Unidas, o TPI não julga Estados, mas indivíduos, e só atua quando um país não puder ou não quiser julgar um crime que tenha ocorrido sob sua jurisdição. Tanto o TPI como a CIJ estão sediados na cidade holandesa de Haia.Globalização dos crimesPara muitos especialistas, o processo de globalização faz com que os consensos na área penal sejam mais do que uma simples escolha para as nações, mas uma questão de necessidade. Os transportes e os meios de comunicação modernos levam velozmente crimes e criminosos além das fronteiras geográficas, o que atinge um dos princípios mais básicos do direito, o da territorialidade. “Esse princípio é uma decorrência da idéia de soberania, ou seja, um crime é julgado pelo Estado que tem soberania sobre o território onde o delito foi cometido. Podemos resumir isso na frase: ‘no meu quintal mando eu’”, explica Carlos Eduardo Japiassú, secretário geral adjunto da Associação Internacional de Direito Penal (AIDP). Segundo ele, é somente a partir do século XIX que começa a aparecer, nos códigos penais, o conceito de extraterritorialidade, ou seja, a previsão da aplicação das leis de um país mesmo em caso crimes cometidos fora dele. O objetivo era evitar que surgissem casos como o de Jesse James nos Estados Unidos do século XIX. “Era um fazendeiro em um estado e bandido em meia dúzia de outros”, exemplifica Japiassú. Isso foi possível porque os estados norte-americanos possuem relativa autonomia para elaborar os seus próprios códigos penais.Na última década do século XX, o fim da Guerra Fria, e a conseqüente extinção da bipolaridade comunismo-capitalismo, abriu possibilidades para a criação de juízos universais que serviram de ponto de partida, segundo Japiassú, para a elaboração dos chamados sistemas globais de punição. Lavagem de dinheiro e terrorismo são os maiores exemplos de crimes que geraram modelos de códigos penais parecidos em vários países do mundo, mesmo sem haver a criação de uma instituição mundial, como foi o caso do TPI. Em 1999 o G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e o Canadá), grupo dos sete países mais ricos do mundo, criou o Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (Gafi), com sede em Paris. O Gafi elaborou uma série de recomendações aos países para dificultar o usufruto do dinheiro oriundo do crime. Como conseqüência, várias nações começaram a adotar as medidas do Gafi a fim de que não figurassem em listas negras de instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo.Unificação das puniçõesApós o reconhecimento dos mesmos crimes, o segundo passo que as nações têm de dar para unificar o sistema penal é estabelecer penas semelhantes. Nesse ponto, os obstáculos são consideráveis e, muitas vezes, são expostos nos processos de extradição. Para extraditar um criminoso, por exemplo, o Brasil exige um compromisso do país-destino para garantir que o extraditado não receba uma punição não prevista no código penal brasileiro. Isso já criou empecilhos em extradições para países que prevêem a pena de morte ou a prisão perpétua, por exemplo. Aqui, a pena de morte é prevista somente em situação de guerra declarada e a pena máxima de detenção é de 30 anos.Paradoxalmente, apesar de não prever a prisão perpétua, o prisioneiro brasileiro passa mais anos no xadrez do que os condenados dos países europeus que adotam essa pena. “Em muitos países da Europa em que há prisão perpétua é prevista uma revisão de pena após 25 anos, e o detento pode ser até libertado”, esclarece Japiassú. No Brasil, os anos de prisão vão se somando de acordo com o número de crimes com que o réu for condenado. Na prática, o período de detenção brasileiro pode ultrapassar a expectativa de vida do prisioneiro, o que acaba se tornando uma prisão perpétua velada.Se as diferenças na punição são notórias entre países que partilham tradições jurídicas semelhantes, o abismo se torna muito maior se compararmos nações com culturas ainda mais distintas. O jovem norte-americano Michael Fay sentiu na pele essa diferença cultural. Flagrado em 1994 pichando muros em Cingapura, onde vivia, o rapaz foi condenado a seis meses de cadeia, a uma multa de cerca de US$2.200,00 e a seis chibatadas nas nádegas. Os apelos do governo norte-americano para que a pena corporal fosse substituída só conseguiu reduzir o número de chibatadas para quatro. Os castigos físicos são apenas um ponto a ser equacionado nas diferenças étnicas e culturais. Países como a Arábia Saudita, baseados em interpretações próprias de ensinamentos islâmicos, mantém uma forte discriminação contra a mulher, por exemplo, um fato que inviabiliza o diálogo jurídico com a maioria das nações ocidentais.E mesmo a comunhão de leis e de penas entre os países não garante um ponto fundamental na justiça, a execução da punição, como lembra o especialista em direito internacional André de Carvalho Ramos, da Universidade Bandeirante de São Paulo e autor de vários livros sobre direitos humanos. “No Brasil, a taxa de eficiência da lei é baixíssima”, observa, o que significa que compactuar com um código penal não é suficiente para que ele seja cumprido. “Reconhecer e tipificar os mesmos crimes e estabelecer penas proporcionais não terá efeito se não houver também um esforço mundial para se fazer cumprir as leis”, acredita Ramos. Sistemas judiciários lentos e ineficazes como o brasileiro, servem de exemplo negativo para o mundo. Mas a impunidade também tem outra origem, especialmente quando falamos de justiça mundial. “Pune quem pode punir”, afirma Carlos Eduardo Japiassú, “Caso o presidente dos Estados Unidos seja condenado por uma corte internacional, por exemplo, quem o fará cumprir a pena?” exemplifica, deixando claro que fazer cumprir uma punição pressupõe poder.Mesmo com todos esses empecilhos, as instituições e os acordos penais internacionais têm contribuído para a diminuição da impunidade no mundo. Um exemplo recente foi a condenação do Brasil em 2006, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Estado respondeu pela morte de Damião Ximenes Lopes, morto brutalmente enquanto estava internado numa clínica psiquiátrica em Sobral (CE). O governo brasileiro foi sentenciado a pagar US$146 mil à família de Lopes, por sua omissão em fiscalizar o estabelecimento em que a vítima estava internada. Casos como esse mostram que mesmo que não surja um consenso mundial no assunto, os esforços atuais têm obtido resultados importantes que vão desde dificultar o trabalho de criminosos internacionais até “puxar as orelhas” das nações que não fazem o “dever de casa”.http://blog.controversia.com.br/2009/04/21/um-sistema-penal-global-possvel/

quarta-feira, 22 de abril de 2009

MST desmente Globo. Pena enésima vez

-- Retirado de www.paulohenriqueamorim.com.br

O Conversa Afiada reproduz abaixo nota de esclarecimento do MST sobre reportagem da TV Globo:
MST ESCLARECE ACONTECIMENTOS OCORRIDOS NO PARÁ20/04/2009
Em relação ao episódio na região de Xinguara e Eldorado de Carajás, no sul do Pará, o MST esclarece que os trabalhadores rurais acampados foram vítimas da violência da segurança da Agropecuária Santa Bárbara. Os Sem Terra não pretendiam fazer a ocupação da sede da fazenda nem fizeram reféns. Nenhum jornalista nem a advogada do grupo foram feitos reféns pelos acampados, que apenas fecharam a PA-150 em protesto pela liberação de três trabalhadores rurais detidos pelos seguranças. Os jornalistas permaneceram dentro da sede fazenda por vontade própria, como sustenta a Polícia Militar. Esclarecemos também que:
1- No sábado (18/4) pela manhã, 20 trabalhadores Sem Terra entraram na mata para pegar lenha e palha para reforçar os barracos do acampamento em parte da Fazenda Espírito Santo, que estão danificados por conta das chuvas que assolam a região. A fazenda, que pertence à Agropecuária Santa Bárbara, do Banco Opportunity, está ocupada desde fevereiro, em protesto que denuncia que a área é devoluta. Depois de recolherem os materiais, passou um funcionário da fazenda com um caminhão. Os Sem Terra o pararam na entrada da fazenda e falaram que precisavam buscar as palhas. O motorista disse que poderia dar uma carona e mandou a turma subir, se disponibilizando a levar a palha e a lenha até o acampamento.
2- O motorista avisou os seguranças da fazenda, que chegaram quando os trabalhadores rurais estavam carregando o caminhão. Os seguranças chegaram armados e passaram a ameaçar os Sem Terra. O trabalhador rural Djalme Ferreira Silva foi obrigado a deitar no chão, enquanto os outros conseguiram fugir. O Sem Terra foi preso, humilhado e espancado pelos seguranças da fazenda de Daniel Dantas.
3- Os trabalhadores Sem Terra que conseguiram fugir voltaram para o acampamento, que tem 120 famílias, sem o companheiro Djalme. Avisaram os companheiros do acampamento, que resolveram ir até o local da guarita dos seguranças para resgatar o trabalhador rural detido. Logo depois, receberam a informação de que o companheiro tinha sido liberado. No período em que ficou detido, os seguranças mostraram uma lista de militantes do MST e mandaram-no indicar onde estavam. Depois, os seguranças mandaram uma ameaça por Djalme: vão matar todas as lideranças do acampamento.
4- Sem a palha e a lenha, os trabalhadores Sem Terra precisavam voltar à outra parte da fazenda para pegar os materiais que já estavam separados. Por isso, organizaram uma marcha e voltaram para retirar a palha e lenha, para demonstrar que não iam aceitar as ameaças. Os jornalistas, que estavam na sede da Agropecuária Santa Bárbara, acompanharam o final da caminhada dos marchantes, que pediram para eles ficarem à frente para não atrapalhar a marcha. Não havia a intenção de fazer os jornalistas de “escudo humano”, até porque os trabalhadores não sabiam como seriam recebidos pelos seguranças. Aliás, os jornalistas que estavam no local foram levados de avião pela Agropecuária Santa Bárbara, o que demonstra que tinham tramado uma emboscada.
5- Os trabalhadores do MST não estavam armados e levavam apenas instrumentos de trabalho e bandeiras do movimento. Apenas um posseiro, que vive em outro acampamento na região, estava com uma espingarda. Quando a marcha chegou à guarita dos seguranças, os trabalhadores Sem Terra foram recebidos a bala e saíram correndo – como mostram as imagens veiculadas pela TV Globo. Não houve um tiroteio, mas uma tentativa de massacre dos Sem Terra pelos seguranças da Agropecuária Santa Bárbara.
6- Nove trabalhadores rurais ficaram feridos pelos seguranças da Agropecuária Santa Bárbara. O Sem Terra Valdecir Nunes Castro, conhecido como Índio, está em estado grave. Ele levou quatro tiros, no estômago, pulmão, intestino e tem uma bala alojada no coração. Depois de atirar contra os Sem Terra, os seguranças fizeram três reféns. Foram presos José Leal da Luz, Jerônimo Ribeiro e Índio.
7- Sem ter informações dos três companheiros que estavam sob o poder dos seguranças, os trabalhadores acampados informaram a Polícia Militar. Em torno das 19h30, os acampados fecharam a rodovia PA 150, na frente do acampamento, em protesto pela liberação dos três companheiros que foram feitos reféns. Repetimos: nenhum jornalista nem a advogada do grupo foram feitos reféns pelos acampados, mas permaneceram dentro da sede fazenda por vontade própria. Os sem-terra apenas fecharam a rodovia em protesto pela liberação dos três trabalhadores rurais feridos, como sustenta a Polícia Militar.
MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA - PARÁ

Uma visão critica da formação e aplicação das leis na América Latina

1. Introdução
Como operadores do Direito, desenvolvemos (ou ao menos deveríamos desenvolver) uma visão mais aguçada dos problemas sociais existentes, de sorte que, a qualquer profissional da área jurídica, certamente aflige o flagelo social representado pela pobreza, pela falta de perspectiva de melhores condições de vida, pela falta de acesso à educação, alimentação, moradia, enfim, de condições mínimas que garantam a vida (não mera sobrevivência) e a dignidade da maior parte do povo Latino Americano, entres os quais, obviamente, o povo brasileiro.
Certamente que não se pode observar de forma impassível os graves problemas sociais dos chamados países periféricos e, em especial, na desvalorizada parte do globo terrestre que nos cabe ocupar. Trata-se, evidentemente, da América Latina.
Aos que se dedicam ao direito, sem que se descuide de uma visão global do problema, como ser humano, cabe, porém, com maior aplicação, a análise da questão sob o prisma da influência da formação e aplicação do direito na manutenção de tal quadro de exclusão.
2. Desenvolvimento
Observa-se claramente que com a chegada dos colonizadores à América Latina, houve uma ruptura do processo de desenvolvimento cultural que então se achava em curso aqui e a imposição dos hábitos, costumes, idéias, enfim, da cultura dos mais fortes, mais bem armados, em relação àqueles que não tinham maneiras de resistir a essa postura, vale dizer, prevaleceu a vontade dos colonizadores, dos conquistadores, em detrimento dos colonizados.
O primeiro ato formal praticado em terras brasileiras, como nos recordamos, foi a realização de uma missa. Isso, em uma época em que o Direito se encontrava em fase de transição daquele de inspiração divina, com o do Direito derivado do pensamento Renascentista. Certamente, porém, havia uma forte influência da Igreja no Estado (para se chegar a tal conclusão, basta lembrarmo-nos dos tratados estabelecidos pelos Papas entre os Estados, p. ex. o Tratado de Tordesilhas)
Era a cultura européia, submetendo a seu jugo, a incipiente cultura indígena que havia em nossas terras. Submissão essa que, evidentemente se fez pela força das armas, importando, muitas vezes em verdadeiros massacres dos nativos.
Aos indígenas aqui existentes, somaram-se, também submetidos à opressão do conquistador, os africanos trazidos como escravos e, de maneira inevitável, surgiram as miscigenações dando origem a um novo povo, que não era mais o poderoso colonizador, mas também não pertencia a nenhum dos originais grupos subjugados (os nativos ou os africanos).
Dessa maneira, esse povo que nascia, surgia sem identidade própria, sem valores seus, impedido de se inserir em qualquer dos grupos existentes. Como bem pondera o Professor Dean Fábio Bueno de Almeida, essa mistura racial e cultural, "fez com que uma massa de mestiços vivesse, por séculos, sem consciência de si, afundada na ninguendade, pois em determinado momento este novo homem compreende que não é europeu, não é mais índio e nem africano: ele compreende-se como um ‘não ser’ ".(i)
O "não-ser" no sentido filosófico onde tal termo equivale a determinado indivíduo ou determinado povo, por ser diferente do "centro", ser equiparado a um nada, a algo inexistente e desprovido de qualquer valor.
Percebe-se que, num momento seguinte, esse grupo identifica-se como algo novo, eles são os brasileiros.
Contudo, essa identidade carece de qualquer referencial sólido que possa amparar esse novo povo, de maneira que do ponto de vista cultural, estrutural, de valores, o brasileiro continua sendo um "não-ser". Essa característica o transforma em uma massa facilmente explorável, vez que pode ser manipulado e conduzido por interesses de poderosos e isso efetivamente ocorre.
O conquistador europeu já possui uma cultura acabada, pronta, de valores bem definidos, a chamada cultura eurocêntrica. São detentores da verdade, ciência, e manipulam como querem o povo conquistado.
A mencionada facilidade de manipulação, decorre do exposto acima, vez que frente a essa angustia por ser considerado um "não-ser", a grande maioria do povo brasileiro assimila tal condição e porta-se como tal, uma utra pequena parte então adota uma postura de mascaramento, passando a "vestir" os costumes e portar-se de acordo com o que pretende o conquistador, o dominador, para poder ser aceito como um "ser", nesse grupo. Essas posturas influenciam a formação dos sistemas sociais, políticos e jurídicos que seguem privilegiando os dominadores em detrimento dos mais frágeis.
E a grande maioria do povo que é um "não-ser", não tem acesso às garantias básicas vez que estas, ainda quando previstas (como atualmente na Constituição Federal), carecem de instrumentos para seu exercício.
A conseqüência, e que perdura até nossos dias, é que existe uma elite que tem o domínio do poder e o domínio econômico, e usa esse povo para seus objetivos particulares, sem dar a menor importância com o destino ou o seu bem estar.
Assim, essa elite dominante, cria mecanismos para impor sua vontade, conseguindo manipular a instâncias formais normativas, bem como dominando a interpretação e aplicação dessas normas, com uma aparência de legitimidade que é totalmente ilusória e fantasiosa. Em verdade, o povo imagina estar sendo objeto de atenção pelo Estado, mas este (o Estado), serve apenas de instrumento a consecução dos interesses dos poderosos. Como já afirmou Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes, em seu trabalho "Apontamentos Sobre Alguns Impactos do Projeto Neoliberal no Processo de Formação de Tutelas Jurídico-Políticas," os Estados latino-americanos nunca passaram de arremedos dos Estados de Bem-Estar Social.
Reiteramos, portanto, que essa situação tem continuidade nos dias atuais, continua havendo uma total exclusão dos direitos sociais, do acesso às necessidades básicas em relação a dois terços da população latino-americana, atuais representantes do povo anteriormente mencionado como "não-ser".
E é face a tal estado de coisas que fazemos uma abordagem crítica; focamos, no desenvolvimento, a visão da parcela de responsabilidade que nos cabe, como operadores do direito, pelo status quoque impera. Apontando o que nos parece contribuir para tal manutenção da miséria e opressão, buscamos fomentar a busca de soluções.
Em princípio, ponderamos que os juristas em geral, sofrem uma total castração de seu senso crítico, constituindo-se em meros repetidores de disposições legais que vêm sendo mantidas pela tradição dos influentes. Recitam a "segurança jurídica" como postulado a ser mantido, ao mesmo tempo que descuram-se de por em prática princípios garantidores básicos dos direitos sociais e individuais e, via de conseqüência, da paz social.
Para trazer a lição de Agostinho Ramalho Marques Neto, vale transcrever que: "Crer que há uma essência verdadeira em si mesma do Direito [...] não deixa de ser confortável. Dá ao estudioso do Direito a impressão que dispõe de um ponto de partida unitário, simples e seguro (um significante primordial, digamos assim) que garantiria de antemão ao terreno jurídico uma solidez suficientemente confiável para que ele por aí se enveredasse por maiores riscos, [...]. Quanto mais o discurso jurídico caminha nesse sentido, mais vai-se tornando e mais fechado em si mesmo vai ficando." (ii). Concluí o mencionado autor que não há tal sistema único de Direito, mas este deve ser construído a partir das diversas fontes possíveis, sem apego exclusivo a nenhuma delas, e aqui acrescentamos, sem o medo de decidir com fundamento único na "letra da lei".
Mas qual é a tão propalada "segurança jurídica"? A manutenção da exclusão social, da miséria, de castas de dominadores, o abismo na distribuição de renda seriam "bens" a serem assegurados pela ordem jurídica atual?
Ensina-se, já nos bancos acadêmicos de graduação, aos estudantes, a declamarem em verso e prosa a "segurança jurídica", como o respeito indiscutível a lei. O jurista deve ser o "soldado da lei", sem se observar que esse termo foi cunhado por J. B. Cordeiro Guerra, em um contexto totalmente diferente do qual se emprega atualmente. Hoje pensa-se que por "soldado da lei" o jurista deve ser um míope social, quando o que o notável jurista quis afirmar com tal locução é que deveria manter-se sereno.
E questionamos: devem ser soldados da lei ou da justiça? Inegável que estas muitas vezes tomam caminhos diversos, por motivos que pretendemos abordar mais adiante.
Afranio Silva Jardim já mencionou a respeito da formação dos profissionais em direito em nosso país que "não desenvolvem uma formação crítica e reflexiva sobre a sua própria existência e o seu papel social a ser desempenhado através da atividade laborativa escolhida. Para tal situação muito contribuem, dentre outros fatores, os currículos antiquados e o tradicional conservadorismo das instituições de ensino de um modo geral." (iii)
Observemos a esse respeito, para ilustrar, princípios constitucionais. Comentemos especificamente um, como o fim social da propriedade, albergado pela Carta Magna, e que encontra-se esquecido, adormecido, não sai do discurso (ou das letras da Constituição Federal), para a vida real, por ausência de uma norma infra-constitucional, que possa por em prática a "matemática" forma de aplicação do direito.
Essa forma "matemática" a que nos referimos é aquela ensinada nos bancos escolares brasileiros onde, de uma forma geral, aplicar o direito traduz-se em aplicação cega da lei.
Transforma-se a lei no "tudo jurídico", "tem que estar na lei", e passa-se a produzir leis desenfreadamente, com finalidades inconfessáveis.
Apenas para se aproveitar o princípio em exemplo, vemos corriqueiramente confronto entre o direito de propriedade, cujos titulares são os donos de terras e o direito a posse de terras para o fim de nelas exercer seu trabalho, este segundo, um objetivo compreendido na gama de direitos sociais do cidadão. A testilha em questão, como é sabido, ocorre entre fazendeiros e integrantes do chamado "Movimento dos Sem Terra" (MST).
Abstraindo-se a questão político-partidária que acabou dominando tais confrontos e que só se presta a retirar a legitimidade de um movimento social, observa-se que sempre a questão é resolvida em favor do proprietário, possuidor de título das terras. Assim o é, posto que em um confronto entre a lei, que assegura ao proprietário os interditos legais, e um princípio constitucional, em relação ao qual não foi editada nenhuma lei, dá-se maior prevalência à norma inferior. É o apego à lei.
Já afirmaram Sérgio Cademartori e Marcelo Coral Xavier, que "de nada servem declarações de direitos fundamentais estabelecidas ao nível mais alto dos ordenamentos se a sociedade não dispuser de mecanismos capazes de torná-los efetivos. Verifica-se assim uma tremenda defasagem entre a vontade da sociedade, expressa em nível constitucional, e as práticas concretas dos diversos Estados, sempre tendentes a avassalar os direitos consagrados no ordenamento, principalmente no que tange aos direitos sociais." (iv)
E o Poder Legislativo (tanto quanto o Executivo) encontra-se totalmente comprometido com o dominador. Quando não é formado por membros da casta exploradora, é formado por representantes desses que, servindo como instrumentos, são guindados a condição de legislador. Ressalva-se, desde logo, as honrosas e raras exceções que felizmente, existem no seio do Legislativo e, eventualmente, do Executivo.
Ninguém ignora os métodos de obtenção de grande parte dos mandatos parlamentares, que a retórica atribui ao "sufrágio universal" (ainda que os parlamentares, a rigor, recebam "sufrágio proporcional"). A manutenção dos "currais eleitorais". Outrora com o "coronelismo", o Senhor de Fazendas, que decidia sobre a vida e a morte dos seus empregados e familiares (empregados?).
Falamos no passado, mas sabemos que em algumas regiões ainda existem tais atrocidades. Onde um rancho de sapé e um pouco de farinha, são suficientes para induzir o eleitor a conceder o mandato ao seu próprio algoz, travestido em benfeitor. E pobre daquele que ousar questionar a "bondade" do candidato-patrão, irá encontrar-se com o Criador mais cedo, carregado pela fumaça de seu rancho, já queimado, juntamente com sua família, de regra de numerosa prole.
Em pequenas cidades são aqueles "favores pessoais" (que nada têm de favores), o chamado "assistencialismo", a dentadura do favelado, a caixa-d’água do barraco, a cesta básica do desempregado, a compra de um remédio, e tantos outros expedientes que demonstram a utilização do poder econômico para a imposição da "obrigação de votar" em dado candidato. Sem se falar no uso da "máquina administrativa".
Mas nos grandes centros e nas regiões mais desenvolvidas desse nosso imenso país, não é mais esse (ao menos não exclusivamente), o método utilizado para a perpetuação do dominador no poder (e não é diferente com nossos irmãos latinos, apenas concentramos o enfoque sobre o Brasil, posto que é nossa realidade mais próxima).
É claro que seria humanamente impossível manter-se o método arcaico de dominação, com a explosão populacional e os conseqüentes problemas materiais para se impor tal método a milhões de pessoas, concentradas em grandes centros e possuindo um pouco mais de acesso à informação.
Agora quando vivenciamos uma época em que, como já se definiu, ocorreu uma compressão do tempo e do espaço, em que a velocidade é supersônica e nos permite atravessar de um continente a outro em poucos minutos (quando os colonizadores levavam meses), a informação torna-se a chave da dominação.
O indivíduo possui em sua casa um aparelho de televisão, um aparelho de rádio, e pelas ondas eletromagnéticas entra em sua casa todos os dias, uma enorme quantidade de informações. Ele sequer tem condições de decodificar todas aquelas notícias e acontecimentos, mas ele ouve, ele vê, e isso influi em seu ânimo.
Junto com a informação, vem a tendência de quem produz, veicula ou faz veicular o noticiário. E o "caboclo" do sertão que ouve seu rádio, o operário morador da favela e mesmo o indivíduo de classe média, em regra, acredita no que ouve como verdade absoluta. Não teve (e certamente não terá tão cedo) desenvolvido o espírito crítico, "o ceticismo crítico ou a dúvida metódica da qual falou Descartes" (v).
Ele ouviu no noticiário, ele leu nos jornais, e assim, para ele é verdade absoluta. São os dominadores utilizando-se do meio que deveria ser mais o respeitado, pela sua importância: é a utilização da imprensa.
Lembramo-nos do que já afirmou o impagável Lima Barreto, em sua obra literária "Recordações do Escrivão Isaías Caminha" a respeito da imprensa, pinçando, entre tantos, um pequeno trecho: "é a mais tirânica manifestação do capitalismo e a mais terrível também... É um poder vago, sutil, impessoal, que só poucas inteligências podem colher-lhe a força e a essencial ausência da mais elementar moralidade, dos mais rudimentares sentimentos de justiça e honestidade! São Grandes empresas, propriedade de venturosos donos destinadas a lhes dar o mínimo sobre as massas, em cuja linguagem falam, e a cuja inferioridade mental vão ao encontro, conduzindo os governos, os caracteres para os seus desejos inferiores, para os seus atrozes lucros burgueses..." (vi). E veja-se que esse romance data de 1908.
E fazemos um parêntesis posto que não é o escopo do presente trabalho fazer uma abordagem crítica do trabalho da imprensa. Não se discute aqui a sua importância.
A imprensa, os meios de comunicação, são indispensáveis à sociedade e a esperança da formação de uma opinião crítica do povo. Se utilizados com ética e consciência, são uma forma extremamente positiva de fiscalização, de freio aos apetites dos gananciosos, poderosos, desonestos, etc.
O que se aponta e se espera, é um maior controle, uma maior ética na veiculação da informação, uma fiscalização que pode ser exercida em forma de autocontrole dos meios de comunicação, diante mesmo dessa importância que têm. Uma utilização responsável e conscenciosa da comunicação e da informação.
Toda notícia tem uma certa tendenciosidade, mas quando esse comportamento parcial é explícito, aberto, inequívoco, não causa maiores danos, ao revés, cumpre seu papel, informa. O problema surge quando o interesse vem oculto, de forma subliminar, como se imparcial fosse a matéria. Aí sim, torna-se perigosa e manipuladora a informação.
Quem ignora que uma rede de televisão, em nosso país, recentemente elegeu e, em seguida, depôs um Presidente da República. E em nenhum momento deixou transparecer que aqueles eram seus objetivos, mas ao contrário, abordava fatos que induziam a população a adotar determinado comportamento, como se fosse uma narração imparcial.
Mas não é somente através da notícia que se manipula o povo nestes tempos de globalização (e odiamos o termo). Manipula-se também, e talvez principalmente, através da criação de padrões a serem seguidos. Padrões de beleza, padrões de moda, padrões de comportamento, demonstrando sempre que dado padrão é "o bom", "o certo" e outro "o errado".
Voltamos ao "ser" e ao "não-ser"? Ou nunca saímos dessa condição de "não-ser"?
Explora-se a falta de identidade cultural de nosso povo, induz-se à coletividade a espelhar-se naquilo que é pregado como certo.
Cria-se paulatinamente com isso, um pensamento maniqueista na comunidade, mostrando o explorador como o benfeitor e aqueles que se opõe a ele como os maus, que devem ser combatidos e destruídos.
É o "lobo em pele de cordeiro". Muda-se o método, mantém-se os objetivos e alcançam-se os resultados.
Muda também a metrópole, antes Portugal, agora o chamado Primeiro Mundo, com especial predomínio dos Estados Unidos da América.
O referencial monetário é o dólar americano, a música é do mesmo pais, a língua mundial o inglês, entre tantos outros pontos que poderiam ser mencionados como demonstração da dominação.
A modernidade é a globalização, o enfraquecimento do Estado (entendido esse como barreira aos interesses econômicos). O discurso é que os orgãos públicos são onerosos, ineficientes, superados. Tem-se que privatizar todas empresas estatais (ainda que para serem compradas por outras estatais, mas estrangeiras). O funcionário público, não é mais visto como um prestador de serviços, um trabalhador como qualquer outro, mas um parasita a ser perseguido e exterminado.
Os serviços públicos são sucateados, não por acaso, mas para confirmar a idéia difundida de imprestabilidade do setor, e deles se servem somente aqueles segmentos excluídos e marginalizados da população (tome-se a saúde pública como exemplo). Quem tem poder aquisitivo, deve ter bom atendimento, mas deve também dar lucro aos organismos privados (seguros saúde, cooperativas médicas, etc.)
Se o trabalhador da iniciativa privada tem direitos inferiores aos dos funcionários, o discurso não é o de melhorar os direitos daqueles, mas de aniquilar-se os destes. É uma canalização de ódio, tarefa extremamente fácil em um país de tantos problemas.
E a ignorância, a falta de conhecimentos e de espírito crítico do povo são mantidos como forma de facilitar extremamente essa manipulação de idéias.
Desestruturam-se todas as empresas e serviços públicos, exceto aqueles setores que interessam aos conglomerados financeiros privados, como bem ponderou Óscar Correas: "Porque nunca se han propuesto achicar el estado comandados por los jerarcas del capital - o por sus empleados -, porque sin ese estado no podrían hacer tan buenos negocios. Tampoco al estado casado con las grandes empresas telivisivas e radiales, sin el cual tampoco podrían estupidizar el imaginario colectivo y reproducir esta ideología insulsa." (vii)
O próprio Movimento dos Sem Terra é explorado para enfraquecer o que é público. Mesmo sem nenhum interesse na causa dos trabalhadores, os meios de comunicação em massa não se cansam de mostrar a violência da polícia e a ineficiência do judiciário em relação aos menos favorecidos.
Evidentemente que existem várias mensagens subliminares passadas em tais informações, entre as quais podemos identificar algumas: pretende-se, em primeiro lugar, mostrar a existência de um "perigoso movimento contra a propriedade privada" e evidentemente fazer com que a população se antipatize com tal causa de "desordeiros", ainda que não se diga isso explicitamente; em segundo lugar, mostrar como os órgãos públicos são ineficientes no desempenho de seus misteres; em terceiro, soa como um aviso aos cidadãos que, aqueles que pretendem se insurgir contra a ordem estabelecida, por mais injusta que a considerem, serão objeto de execração pelos meios de comunicação como se fossem "foras-da-lei" e sentirão o peso do aparelho repressivo do Estado, não lhes sendo garantido qualquer direito, mesmo pelo Poder Judiciário.
Nos detemos aqui, no comentário dos meios de dominação, para não fugirmos por demais ao tema proposto.
Assim, com toda sorte de manipulação, seleciona-se (negativamente) a grande parte dos seus membros e mantém-se o domínio das rédeas do Poder Legislativo, que continua em uma produção desenfreada, daquela que seria a apregoada fonte quase exclusiva do direito: a lei (na retórica, pois que na prática se converte em fonte única). Umas para reforçar o domínio das elites, outras, para trazer a aparência, a ilusão de que os direitos e necessidades do povo estão sendo tutelados.
Criam-se normas antagônicas umas em relação a outras, com o escopo único de, travestido de interesse em "atender ao clamor popular", manter o verdadeiro estado de amortecimento, de letargia em relação à realidade, no qual encontra-se mergulhado o povo brasileiro como, de resto, todo o povo latino-americano.
Outra definição não nos ocorre para a situação do povo em relação ao poder em nosso país, senão a de um sono doentio, duradouro e profundo do qual não pode despertar, não por sua culpa, não por falta de interesse, mas por manobras maquiavélicas de sucessivos déspotas que, desde a conquista dessas terras, vem mantendo o poder para um grupo exclusivo de privilegiados ou a serviço desse grupo.
Os métodos de engodo, de se induzir o povo explorado em erro, mudam e se adaptam com as naturais mudanças do tempo, mas os objetivos sempre são alcançados.
E aumenta a perversidade do dominador, a eficácia e competência demonstrada na manutenção de seus privilégios, que demonstra acima de qualquer dúvida, que a manutenção do grupo de poderosos não é acidental, não é casual, mas é muito bem planejada e preparada, estudada nos detalhes e com os lances devidamente antecipados, tal qual um mestre enxadrista planejando os lances futuros, retirando qualquer chance de vitória do seu adversário, nesse contexto, um mero aprendiz.
Daí, dessas manobras perversas utilizadas para a manutenção dos privilégios e, de conseqüência, para a produção legislativa, questionamos a legitimidade das leis emanadas desse poder legislativo.
Ora, a idéia inicial do "Contrato Social" da disposição, por parte do indivíduo, de parcela de seus direitos em favor do Estado, foi de assegurar o bem comum, a melhoria da qualidade de vida em sociedade e, conseqüentemente, de cada um de seus membros.
E o que ocorre em nosso país, embora com um "contrato social" que alberga vários princípios garantidores de direitos e liberdades individuais (representado tal "contrato social", evidentemente, pela Constituição Federal), é uma flagrante violação dessa relação indivíduo-Estado, é a quebra do "contrato social".
De sorte que, embora revestida a produção legislativa de uma aparente legitimidade, essa aparência dissolve-se perante uma análise mais atenciosa, que demonstra ser tal legitimidade meramente formal, dissociada daquela que adviria da manifestação de uma vontade livre.
Poderia se comparar o voto do eleitor manifestado nessa situação, a um ato jurídico viciado, como no Direito Civil, pelos vícios do consentimento (vez que seria induzido em erro pelo e quanto ao candidato).
Sabe-se que é um dos elementos do ato jurídico, para sua validade, para que produza um resultado jurídico, a liberdade na manifestação de vontade, o que não ocorre com o eleitor brasileiro.
Na lição do sempre festejado Silvio Rodrigues, "Erro é a idéia falsa da realidade, capaz de conduzir o declarante a manifestar sua vontade de maneira diversa da que manifestaria se porventura melhor a conhecesse." E mais, não é um mero erro, mas um erro substancial, compreendido este como "aquele de tal importância que se fosse conhecida a verdade o consentimento não se externaria." (viii) No caso do voto, o erro seria sobre "as qualidades essenciais da pessoa a quem a declaração se refere." (ix)
Não se pode discutir o caráter de ato jurídico do voto. A esse respeito, já escreveu José Afonso da Silva "O voto é o ato político que materializa, na prática, o direito subjetivo público de sufrágio. É o exercício deste, como dissemos. Mas sendo ato político, porque contém decisão de poder, nem por isso há de se negar natureza jurídica. É ato também jurídico." (x) - grifamos
Se na seara do Direito Privado, onde de regra os direitos tutelados são disponíveis, tal vício é capaz de invalidar o ato jurídico, com muito mais razão em sede de Direito Público, temos como viciado e de nenhum valor o mandato outorgado aos legisladores, por meio do voto do eleitor que atuou, nessa sua especial forma de consentimento, por encontrar-se em erro insuperável.
Voltamos a trazer a lição de José Afonso da Silva quando afirma que "Para que o voto constitua legítima expressão da vontade do povo, para que seja função efetiva da soberania popular, ‘deve revestir-se, como disse Meirelles Teixeira, de eficácia política e ainda que represente a vontade real do eleitor..." (xi) - grifo não original.
Ora, evidentemente que não há legítima vontade de um eleitor que imagina estar votando em alguém com determinado conteúdo moral e com certas qualidades pessoais e dado ideário, quando em verdade quem esta sendo eleito é pessoa totalmente diversa, apenas o invólucro físico, o corpo, tanto quanto o nome, a identificação desse corpo e que são os mesmos.
Para utilizarmos um pouco de ironia, seria o caso dos eleitores reclamarem junto aos órgãos de defesa do consumidor! Afinal o produto (e hoje a propaganda política é toda desenvolvida por agências de publicidade) anunciado não corresponde ao que foi "adquirido".
Além dessa primeira e fundamental ilegitimidade dos legisladores, que já retira aquela aura de "res sacra" que se atribui à lei em nosso país, há que se observar ainda, a ilegitimidade da própria norma.
Visto ser a finalidade do Estado, em última análise, o bem comum, o bem estar da sociedade, a lei, que pauta os indivíduos e a própria atividade estatal, deve sempre estar direcionada a esse propósito. O saudoso Hely Lopes Meirelles, nos ensinava que "Os fins da administração pública resumem-se num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada. Toda atividade do administrador público deve ser orientada para esse objetivo. Se dele o administrador se afasta ou se desvia, traí o mandato de que está investido, porque a comunidade não institui a administração senão como meio de atingir o bem-estar social. Ilícito e imoral será todo o ato administrativo que não for praticado no interesse da coletividade." (xii)
Ora, utilizando-nos novamente da analogia, como fizemos acima em relação ao Direito Civil, e agora, com o Direito Administrativo, é valido lembrar que o ato administrativo que é praticado com desvio de finalidade é ineficaz. A lei, embora não seja, evidentemente, um ato administrativo, tem como finalidade assegurar a satisfação física e moral dos integrante de dada sociedade e, violando tal finalidade, certamente perderá a legitimidade.
Finalmente, buscando no Direito Constitucional, o conceito de legitimidade da lei, nos socorremos novamente dos ensinamentos de José Afonso da Silva quando afirma que "legitimidade e legalidade nem sempre se confundem. Lembra bem D’Entrève: ‘Legalidade e legitimidade cessam de identificar-se no momento em que se admite que uma ordem pode ser legal, mas injusta’. Propõe, por isso, a recuperação do liame entre legalidade e legitimidade, sob bases diferentes, a partir do abandono da noção puramente formal da legalidade, definindo-a como ‘a realização das condições necessárias para o desenvolvimento da dignidade humana’, como quer a nossa Constituição (art. 1º, III), pois o ‘princípio da legalidade não exige somente que as regras e as decisões que comportem o sistema sejam formalmente corretas’. Ele exige que elas sejam conforme a certos valores, a valores necessários ‘à existência de uma sociedade livre’, tarefa exigida expressamente do Estado brasileiro (art. 3º, I)."
Certamente que a lei, que não cumpre a finalidade última da existência do Estado, também não pode ter validade.
Do exposto, a conclusão lógica que se extraí é que as leis brasileiras padecem de falta de legitimidade, a um, por vício na formação do Poder Legislativo e, a dois, pelo desvio da finalidade que deve nortear sempre a atividade de qualquer poder do Estado, que é o bem do povo.
É verdade que muitas leis, embora emanadas de um poder legislativo com sérios problemas de legitimidade, conforme abordamos anteriormente, cumprem a finalidade precípua da norma, que é a busca do bem estar social, assim, certamente que adquirem legitimidade pela aceitação da própria sociedade. Há uma legitimação direta e posterior da norma.
Mencionando a possibilidade da legitimação posterior, embora em sede de constituição, faz sólida consideração Arthur Pinto Filho em seu trabalho "Constituição, Classes Sociais e Ministério Público", que tem perfeita aplicação ao presente estudo, sendo válida também quanto a legitimação posterior de lei. Diz referido autor que "Pode ocorrer perfeitamente, em determinados casos, a legitimação de uma Constituição, situação que ocorre sempre que um determinado texto, ao entrar em vigor tenha escassa legitimidade. Mas, ao depois, mercê de uma série de fatores, acaba por encontrar o mesmo texto, na mesma sociedade, um grau razoável de apoio, de legitimidade." (xiii)
Esse portanto, o panorama por nós vislumbrado, em relação ao nosso ordenamento jurídico.
. Conclusão
Evidentemente que um problema tão complexo quanto a crise das instituições jurídicas dos povos latino-americanos e, especialmente, o brasileiro, não permite que sejam encontradas soluções facilmente, especialmente em âmbito de um trabalho tão modesto quanto o presente. Algumas ponderações, contudo, podem ser feitas em sede de conclusão, até para que possam ser pensadas e discutidas, servindo para, através do exercício da dialética, ou talvez melhor colocando, da analética (posto que considerando os problemas latino-americanos), contribuir para a o aperfeiçoamento das instituições e, conseqüentemente, para melhorar as condições de vida de um povo tão sofrido quanto o nosso, que em um país dotado das maiores riquezas naturais do globo, permanece, em sua maioria, em condições de pobreza ou miséria.
Demonstrando uma fé espetacular no ser humano, o Professor Dean Fábio Bueno de Almeida, no trabalho já mencionado anteriormente (v. nº I), entende que a solução dos problemas passa pela reconcilação dos homens em busca da harmonia, beleza e amor; pela efetivação do "Direito Libertador", onde devem predominar "a aceitação mútua entre os indivíduos, com respeito um pelo outro como legítimo ‘Outro’, isto é, como diferente". Assevera ainda o mencionado Professor que "este Direito libertador é simbolizado por operadores que têm a capacidade de ver, julgar e agir; por operadores que constituem o peso e o contrapeso nas relações sociais que envolvem o homem latino-americano (explorado, oprimido, mesmificado) e toda Totalidade opositora (exploradora, intolerante, desumana)." Avalia ser ainda utópico o Direito Libertador o referido Professor.
Se é utópico é extremamente válido, pois parafraseando o que já disse o grande escritor Eduardo Galeano, em obra que lamentavelmente não temos, mas de cuja idéia nos lembramos, que assevera ser a utopia como a nossa sombra, quando caminhamos em direção a ela, ela se afasta de nos, e então, indagado sobre qual seria sua utilidade, responde o escritor que serve justamente para isso: para fazer caminhar.
Não fazemos aqui considerações se é utópico ou não o proposto Direito Libertador, mas as idéias são magníficas e, certamente, fará com que seja trilhado um longo caminho em sua busca. Nesta singela exposição que ora fazemos, pretendemos dar um primeiro passo, ainda que um passo pequeno, desequilibrado talvez, como os passos de um infante que inicia a andar, de pouca valia, mas pretendemos, ainda que de maneira ínfima, contribuir com a mudança do status quo vigente no país.
Somos, contudo, um pouco mais céticos quanto à bondade dos homens e da possibilidade da reconciliação universal entre a humanidade, pelo menos no estágio atual. Esperamos estar errados e que se concretize tal concerto da humanidade, mas até que ocorra, pretendemos, à guisa de conclusão, apontar algumas opiniões para a busca, em sede de Direito Processual, e especialmente de Direito Processual Penal, de amenizar os graves problemas existentes.
No sentido de apontar para onde caminham nossas idéias, temos que fixar antes, um outro grande problema existente em nosso país. Trata-se da mentalidade existente de descumprimento das normas regulamentadoras como coisa "natural", "normal", desde que seja mais favorável para o indivíduo em dado contexto, no que já se denominou popularmente de "Lei de Gerson".
É o fenômeno de cada indivíduo achar que a regra pode ser descumprida, desde que em seu próprio benefício. A mentalidade individualista. E se poderia pretender justificar tal fato, tal regra de comportamento, com a apontada ilegitimidade das leis.
Mas certamente tal justificativa seria falaciosa e não corresponderia à realidade. Sim, vez que não se pode imaginar que todo o ordenamento jurídico brasileiro seja composto de leis ilegítimas, inválidas. Há que se concordar que inúmeros dispositivos legais são perfeitamente adequados à realidade e necessários a vida em sociedade, e mesmo assim são descumpridos diariamente.
Poderia se argumentar, então, que um extremo estado de miserabilidade faria surgir tal fenômeno, e novamente iria se incidir em erro, pois que é verificável que o triste fenômeno do "jeitinho brasileiro" ocorre em todas as camadas sociais, da mais pobre até a mais abastada.
De sorte que podemos admitir que, sem a menor dúvida, há uma explicação social para o surgimento desse comportamento individualista e insubmisso às normas gerais do povo brasileiro. E evidentemente, tem seu nascedouro na condição de "não-ser" filosófico que o marca desde a origem, posto que, sentindo-se excluído do grupo principal, entendia esse indivíduo equiparado a algo inexistente, que também não teria a obrigação de se sujeitar às normas de convívio social. E isso passou a ser um comportamento geral e, sejamos francos, uma desonestidade institucionalizada.
É certo que, para postularmos qualquer tipo de controle sobre as ilegitimidades substanciais existentes no nosso ordenamento jurídico, temos que estar atentos a essa face de nossa civilização, visto que poderia se criar uma nova forma, achar uma válvula de escape para o descumprimento de normas legítimas e necessárias (ainda que com vício de origem como mencionado na exposição mas legitimadas posteriormente pela necessidade social).
Portanto, desde logo ponderamos que, embora pudesse sinalizar para tal desfecho o desenvolvimento do trabalho, não postulamos, de maneira alguma, o insurgimento contra as leis válidas e em vigor pelos operadores do direito, como regra de atuação. Ao contrário, entendemos que a normatização é uma vitória da civilização contra diversas formas de violação de direitos sociais e individuais (embora já tenha servido para justificar outras tantas violações desses mesmos direitos), de forma que encaramos a lei como uma conquista que deve ser preservada e respeitada, até que se obtenha uma maneira mais perfeita para garantia de direitos.
O que não podemos admitir, é que se prossiga na aplicação formalista da lei que vem sendo feita por nossos operadores do direito, com a manutenção de injustiças sociais, com violação de inúmeros princípios constitucionais e mais que constitucionais, universalmente reconhecidos como indispensáveis à vida digna dos seres humano.
Postas tais considerações, voltamos o foco ao Direito Processual Penal.
Evidentemente que com a obtenção de um direito que realmente alcance o patamar desejado, permitindo que todos os indivíduos possam ter uma vida provida dos elementos morais e materiais necessários, a tendência de ocorrerem lesões a bens juridicamente tutelados pelo Direito Penal é de ser muito menor. Não que a pobreza seja causa única da criminalidade, evidentemente, mas certamente, a miséria tem fator importante no comportamento criminoso, muitas vezes, impondo-o ao ser humano miserável, sem alternativas para este.
Em sede de Direito Penal, matéria para qual temos como instrumento de aplicação do Direito Processual Penal, objeto deste trabalho, há que se eliminar a seletividade no seu destinatário, fazendo com que os excluídos não sejam a sua única "clientela".
Aliás, como já afirmou Raul Zaffaroni em palestra, o Sistema Penal é constituído e treinado exclusivamente para receber pobres, de tal maneira, que fica completamente sem saber o que fazer quando um indivíduo pertencente à classe média ou alta é aprisionado. Aliás, como afirmou o Professor argentino, isso só ocorre, quando o indivíduo mais abastado entra em choque com alguém também da classe dominante, que tinha mais poder que ele e, sendo perdedor na testilha, acaba sendo levado ao cárcere.
E a proposta para buscarmos minorar as injustiças cometidas, especialmente em sede de Processo Penal, que é o tema em apreço, entendemos ser indispensável, a utilização desse processo, como um instrumento, não só de se impor a pena, mas além e acima disso, de preservar-se cuidadosamente os direitos e garantias daqueles que estão sendo submetidos ao crivo do Poder Judiciário, bem como o controle das leis, dentro do âmbito desse processo e, agora sim, negando validade às mesmas se, demonstrado inequivocamente sua ilegitimidade.
Tomamos aqui algumas lições do Sistema Garantista, a respeito do qual disserta Luigi Ferrajoli(xiv), ser um modelo de direito em que se pretende a submissão de todos à "lei constitucional". Tal Sistema, prima pelo respeito à lei, porém, sem a cegueira jurídica à qual aludimos no desenvolvimento destas linhas.
Ensina ainda Ferrajoli, que pretende o garantismo também, a submissão dos interesses privados à lei, que historicamente se destinou a conter o poder do Estado, até porque nascidos os direitos e garantias individuais justamente para proteger o indivíduo do Estado absolutista. Denota a necessidade hoje, de proteção contra os impérios financeiros privados, detentores de poderes imensos.
Pois bem, esse sistema mencionado, que tem no apego à lei seu ponto chave, permite se possa discernir entre a lei que apenas vigora e aquela que, além de vigorar, efetivamente tem validade.
Sérgio Cademartori e Marcelo Coral Xavier (n. III), no trabalho já citado acima, demonstram de forma bastante clara essa diferenciação, conforme trecho que transcrevemos:
"Os princípios do modelo garantista do Estado e Direito (que na análise de Ferrajoli se confunde com o moderno Estado de Direito e sua concepção jurídica) são passíveis de concretizá-lo somente através da articulação do ordenamento em diversos níveis normativos e da dissociação entre vigência e validade das normas. A noção do dever ser do direito presente na obra, identificada pelo conceito de validade (que deixa de ser meramente formal e assume dimensão substancial), característica, segundo ele, dos Modernos Estados de Direito, possibilita a crítica dos conteúdos das prescrições jurídicas. "
"A reformulação do significado de validade é o ponto central da obra de Ferrajoli, que de existência (para Kelsen), passa a ser divido em dois conceitos distintos. O de existência ou vigência, que respeita à validade formal da norma, e o de validade propriamente dito, respeitante à validade material. [...]"
"O paradigma do Estado de Direito, dessa forma, além de conferir à teoria do direito o papel normativo-prescritivo, impõe um papel crítico-normativo à dogmática jurídica, que se exprime através dos juízos de validade das normas, que são qualitativamente diferente dos juízos de existência, apesar de serem ambos opináveis e valorativos."
"O que importa ressaltar é que o jurista pode criticar internamente o ordenamento, dado que podem existir, e de fato existem, normas vigentes e inválidas. [...]"
"Como já assinalado, a sujeição do direito ao direito, é gerado da dissociação entre a vigência e a validade das normas, sua racionalidade formal e material, segundo Weber. Dessa forma, é a própria possibilidade de existir um direito substancialmente legítimo que é a aparente paradoxal condição sine qua non da democracia substancial. [...]"
"Contra a falácia normativista (o direito vigente é tido como válido), em que a crença na razão jurídica ultrapassa o âmbito do fenômeno jurídico culminando numa simples contemplação e quase adoração do Direito vigente, ou da resignação realista, onde o direito eficaz é tido como válido, Ferrajoli contrapõe a uma nova concepção de realidade. [...]". "Assim, a identificação de normas inválidas, pela não garantia dos direitos fundamentais, constitui-se numa luta pela eficácia destes direitos, uma luta por cidadania." (CADEMARTORI, III). - Grifos não originais.
De se anotar, que o garantismo tem como pressuposto, como paradigma para a validade da lei, o respeito aos princípios constitucionais.
E essa é a nossa postulação também, desde o início do presente texto. É certo que nem mesmo a Constituição Federal, em nosso país, é um porto seguro de direitos e garantias sociais e individuais. É bem verdade que as críticas dirigidas ao Poder Legislativo são também aplicáveis ao Poder Constituinte. Que reflete a Constituição Federal uma série de intenções não do povo, mas da elite dominante que conseguiu um maior número de representantes nesse Poder.
Não se descura também, que já foi a Magna Carta, em oposição ao cognome lhe atribuído de "Constituição Cidadã", chamada de "Constituição Cortesã", justamente pela influência acima mencionada.
Não é menos certo que essa insegurança em sede constitucional é demonstrada pela aprovação de nada menos que vinte e sete (27) Emendas à Constituição Federal em pouco mais de 11 anos de sua vigência, já podendo ser chamada, como era a anterior, de verdadeira "colcha de retalhos".
De se observar, porém, que constitui a Carta Magna vigente, um significativo avanço em relação a tudo que já tivemos anteriormente em nosso país. Que existem princípios ali abrigados, que podem melhorar significativamente a vida dos excluídos e, de conseqüência, da nossa sociedade.
Importante também, lembrar-se que em sede constitucional, tais princípios, em regra, são imutáveis, salvo por Poder Constituinte Originário, e que por isso mesmo, não são nem serão tão facilmente alterados, apesar de declarações absurdas de Presidentes de Legislativos prestadas a imprensa, como todos nos lembramos, quando se afirmou que se era vedado pela Constituição ele a mudaria.
Daí a importância de uma nova forma de se encarar o ordenamento jurídico, sem o deslumbramento pela lei.
Há que se buscar a aplicação da lei justa, com vigor, e da mesma maneira e sem destemor, dentro de um processo de cunho garantista, a negação da lei injusta, que viole princípios constitucionais.
De se observar que a estrutura das instituições e a ideologia jurídica vigente são direcionadas para o desleixo ao princípio constitucional, especialmente aqueles que têm como escopo a criação ou resguardo de direitos sociais e que, criado num primeiro momento para atender ao clamor das massas, logo a seguir, estando em vigor a constituição, é tido como um princípio programático que, alegam os operadores do direito hoje (embevecidos pela ideologia acima mencionada), dependerá de posterior regulamentação, que sabemos nunca virá.
E mesmo a lei que o contraria não é tida, de regra, como inconstitucional, inconstitucionalidade essa de difícil apuração. Tendo a lei presunção de constitucionalidade e sendo o controle da constitucionalidade em nosso país eminentemente concentrado e de pouquíssimo uso (o controle difuso tem menor aplicação ainda), restam inúmeros diplomas legais atentatórios à constituição e, o que é pior, atentatórios à dignidade humana, sendo respeitados, aplicados e "endeusados" pelo tradicional método de operação do direito adotado em nosso país.
Ora, como bem expôs o Professor Alvacir Alfredo Nicz, em magnífica aula inaugural no Curso de Especialização em Processo Penal da PUC-PR, em 17 de março de 2000, não há dúvidas que são os princípios os pontos mais importantes do ordenamento jurídico, vez que por princípio entende-se a base, o fundamento, o comando normativo do sistema. É o início, sobre o qual o interprete deve se debruçar, para aplicar as diversas formas interpretativas existentes e extrair o exato comando existente. É o mandamento nuclear do sistema.
Eles se irradiam e imantam o sistema de normas, são núcleos de valores.
Como ignorá-los então, quando são constitucionais, para aplicação de norma inferior, que é a lei?
O Professor Afranio Silva Jardim, já mencionou: "Neste primeiro momento pugna-se pela aplicação integral dos princípios sociais cristalizados na Constituição de 1988. Por que desrespeitá-la em favor de leis ordinárias defasadas no tempo, numa postura contraditória até mesmo na perspectiva do tão cultuado positivismo jurídico?" (JARDIM, II)
Assim é que voltamos a afirmar, deve-se utilizar o instrumento de garantia de direitos por excelência, na aplicação deste, que é o processo penal, na sua integralidade, e no interior desse processo, buscar pelo cumprimento dos princípios constitucionais, ainda quando importe em negar validade à lei em vigor. Mas não basta a postura ideológica, senão, o despertar para na vida real, perquirir em todos os casos possíveis, se não há, ali, um princípio constitucional sendo esquecido, até mesmo, pela falta do costume em sua aplicação.
Há que se buscar no processo, a sua instrumentalidade no sentido exposto por Cândido Rangel Dinamarco, em sua obra "A Instrumentalidade do Processo" e mencionada por Aury Celso Lima Lopes Junior(xv) no trabalho denominado "O Fundamento da Existência do Processo Penal: Instrumentalidade Garantista", onde afirma que deve ter tal instrumentalidade um caráter negativo, bem como um caráter positivo.
O caráter negativo diz respeito à "negação do processo como um fim em si mesmo e significa um repúdio aos exageros processualísticos e ao excessivo aperfeiçoamento das formas (instrumentalidade das formas, com relevantíssimas conseqüências no sistema de nulidades)." - Grifamos
Já do ponto de vista da instrumentalidade positiva, pretende o festejado Professor, se observe extrair do processo "o máximo proveito quanto à obtenção dos resultados propostos,...,que ele deverá cumprir integralmente toda a função social, política e jurídica." - Grifo nosso.
Somente assim, poderá se estar atuando para um direito mais justo e mais humano, se poderá fazer da passagem de cada um de nós, operadores do direito, sobre esta terra, não um mero exercício insípido de repetição de formalidades legais, cultores e instrumentos de manutenção da tradição de exclusão que sempre imperou em nosso país; mas poderemos ser, efetivamente, agentes transformadores de uma realidade social, realidade esta diante da qual, ninguém com um mínimo de princípios pode manter-se impassível.
NOTAS
ALMEIDA, Deam Fábio Bueno de. O Sistema Jurídico Brasileiro e sua busca por um pensamento jurídico próprio. Curitiba, Editora Universidade Champagnat da PUCPR. Revista Verba Iuris, Ano I, nº 2, Março de 1999.
MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Subsídios Para Pensar a Possibilidade de Articular Direito e Psicanálise, in Direito e Neoliberalismo, EDIBEJ, Curitiba, 1996.
JARDIM, Afranio Silva. Direito Processual Penal, pág. IX, 5ª edição, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1995.
CADEMARTORI, Sérgio. XAVIER, Marcelo Coral. Apontamentos iniciais acerca do garantismo, extraido do web site "http://www.direitopenal.adv.br/artigo45.htm", em 28.03.2000.
BAZARIAN, Jacob. O Problema da Verdade, pág. 86. São Paulo, Edições Símbolo, 1980.
BARRETO, Lima. Publifolha - Divisão de Publicações do Grupo Folha, São Paulo, 1997.
CORREAS, Oscar. El Neoliberalismo en el Imaginario Jurídico, Direito e Neoliberalismo, pág. 5, EDIBEJ, Curitiba, 1996.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, vol 1, pág. 178/179, Ed. Saraiva, 1981.
_________________. Idem, pág. 181.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 8º edição, pág. 316, Malheiros Editores Ltda, São Paulo, 1992.
________________. Idem, pág. 317.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 18º edição, pág. 81, Malheiros Editores Ltda, São Paulo, 1993.
PINTO FILHO, Arthur. Constituição, Classes Sociais e Ministério Público, Livro de Teses do 13º Congresso Nacional do Ministério Público, vol 3, pág. 359, Curitiba, 1999.
FERRAJOLI, Luigi. Entrevista concedida a Fauzi Hassan Choukr, com o tema A teoria do garantismo e seus reflexos no Direito e no Processo Penal e divulgada pelo web site http://www.direitopenal.adv.br, retirada em 28.03.2000.
LOPES JUNIOR, Aury Celso Lima. Fundamento da Existência do Processo Penal: Instrumentalidade Garantista, trabalho extraido do web site http://www.jus.com.br/doutrina/instgara.html, em 28.03.2000
Sobre o autor:
Silvio Couto Neto

Maranhão: Os Tribunais Eleitorais como instrumentos do golpe de estado

Depois de quarenta anos de controle absoluto sobre o Palácio dos Leões, a oligarquia Sarney foi derrotada em eleições livres para o governo do Maranhão em outubro de 2006. Jackson Lago (PDT) recebeu 1.393.754 votos no segundo turno e venceu Roseana Sarney (PFL) com quase 100.000 votos de diferença. Ontem, aconteceu o desfecho esperado, que acelera a desmoralização dos tribunais superiores no Brasil. O TSE aceitou a representação da coligação da família dona do estado. Jackson Lago foi cassado por "abuso de poder econômico" durante a eleição. É quase uma piada pronta: um adversário de Sarney ser cassado no Maranhão por abuso de poder econômico.
O desfecho era esperado porque, como sabemos, os Sarney são, literalmente, os donos do Maranhão. Como já notou o blog Loco por ti, no Maranhão você nasce na Maternidade Marly Sarney. Para sua educação, você tem várias opções, as escolas Roseana Sarney, Fernando Sarney, Marly Sarney e José Sarney. A oligarquia é dona do jornal O Estado do Maranhão, da TV Mirante (filial da Globo), das Mirante AM e FM e de 35 emissoras de rádio e 13 retransmissoras da TV Mirante no interior. Mas a coisa não pára aí. No Maranhão, o Tribunal de Contas chama-se Roseana Murad Sarney. Caso você queira reclamar, terá que ir à Sala de Defensoria Pública Kiola Sarney, localizada no Fórum José Sarney.
O processo contra Jackson Lago foi tão inacreditável que a presidenta do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (adivinhem como ela se chama? Nelma ..... Sarney!) pediu a presença da polícia para a cerimônia em que a Assembleia Legislativa empossaria Roseana Sarney como nova governadora. Até aí, tudo bem. O singelo adendo é que faz a diferença: o pedido foi feito antes da decisão do TSE. Parece até que já sabiam.
Como meu masoquismo não tem limites, acabei fazendo o que, na minha opinião, os jornalistas deveriam fazer antes de dizer suas bobagens pouco fundamentadas: ler a sentença. Ela está disponível neste pdf. Jackson Lago foi cassado por 11 acusações que, na verdade, se reduzem a duas, compra de votos e abuso de poder na assinatura de convênios. Quanto àquela, as "provas" apresentadas pela oligarquia foram testemunhas, uma das quais, inclusive, se retratou depois. Avaliando esse episódio, o Ministro Marcelo Ribeiro afirmou (p.18): Realmente, Senhor Presidente, causa certa especle que a pessoa venda seu voto e em seguida declare isso em cartório, registre escritura, para, logo após, retratar-se e dizer que não o vendeu.
Talvez o Ministro Marcelo Ribeiro devesse fazer uma viagem ao Maranhão para conhecer o poder de coação da oligarquia Sarney. Alguém em sã consciência acredita que os Sarney teriam alguma dificuldade para encontrar no Maranhão testemunhas dispostas a jurar que foram abduzidas por seres extraterrestres?
Vamos aos convênios. Nada nas 114 páginas da sentença demonstra que os convênios tenham sido em nada diferentes dos milhões de convênios firmados entre governos estaduais e prefeituras pelo Brasil afora. Que esses convênios, em geral acompanhados de comícios, têm objetivo eleitoral, me parece o óbvio do óbvio. Cassemos todos então? O parecer do Ministério Público Eleitoral citado na sentença inacreditavelmente afirma: Basta a probabilidade de comprometimento da normalidade e equilíbrio da disputa para que o diploma seja cassado. A probabilidade. Vejam só.
Roseana já foi empossada pela Assembleia e Jackson Lago continua no Palácio dos Leões, acompanhado de centenas de correligionários. Chegou a declarar que só sairia de lá morto ou arrastado. Ontem, Noblat noticiou que Lago havia voltado atrás e sairia às 9 da manhã de hoje, segundo "sua assessoria". Como o blog de Noblat tem pouca credibilidade, eu não encontrei confirmação em nenhum outro lugar, e já são 9 da manhã aí em Brasília, aguardo mais notícias por outras vias. Maranhenses que estão acompanhando o processo apostam que Roseana vai se licenciar por razões de saúde, voltar ao Senado logo depois e deixar que assuma seu vice, que já comandou um esquadrão da morte.
O prefeito de Campo Novo-MA também foi cassado pelo TRE e a população, revoltada, tocou fogo na Câmara e na Prefeitura. Ainda no Maranhão, o Tribunal de Justiça condenou à aposentadoria compulsória um juiz de pouco mais de quarenta anos. Parece que ele estava incomodando. As notícias maranhenses não controladas pela oligarquia Sarney aparecem no Jornal Pequeno. Aqui é possível ouvir uma entrevista com Jackson Lago. Aqui, você pode ler a constituição do Maranhão, cujo artigo 61 afirma claramente: Vagando os cargos de Governador e de Vice-Governador do Estado, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga. § 1o - Ocorrendo a vacância nos dois últimos anos do pe­ríodo governamental, a eleição para ambos será feita trinta dias depois da última vaga, pela Assembleia Legislativa, na forma da lei..
Não houve, evidentemente, nenhuma eleição na Assembleia. Simplesmente empossaram Roseana.
PS: A foto é daqui. Para a produção deste post, contei com a ajuda e saber jurídico do amigo Alexandre Nodari. A responsabilidade pelo dito aqui, claro, é só minha.

http://www.idelberavelar.com/archives/2009/04/maranhao_os_tribunais_eleitorais_como_instrumentos_do_golpe_de_estado.php

AVALIAÇÃO

if (window['tickAboveFold']) {window['tickAboveFold'](document.getElementById("latency-5433721700447008467")); }
Postagem mais recente Postagem mais antiga Início